Não perco meu tempo para ler muitos desses textos, pelo absurdo que é a tal comissão. Na
minha opinião.
Quero ressaltar, enfaticamente, que sou FRONTALMENTE E ABSOLUTAMENTE CONTRA QUALQUER ATO VIOLENTO contra o ser humano, de quem quer que seja com quem quer que seja.
Em QUALQUER ideologia!
Ontem, em um portal da internet, apareceu um texto sobre a jornalista Miriam Leitão e a absurda tortura psicológica que sofreu na época dos Governos Militares Brasileiros (Excelentes, a meu ver, APESAR DE ALGUNS DOENTES IMBECIS QUE PRATICAVAM esse tipo de violência - mesmo estando em uma "guerra").
Li o texto e procurei me colocar na posição da jovem batalhadora pelos ideais da esquerda de então... da batalhadora pelo progressismo.
Não é fácil!
É trágico!
Se muitas pessoas levam traumas por toda a vida, às vezes por um simples momento de constrangimento, imagino a força dessa moça para seguir a vida e a carreira (bem sucedida, parece), tendo passado por essa situação emocional absurda, acrescida de tapas e ameaças.
Lamento pelo que sofreu a jornalista, destacando que, obviamente, não sou solidário a ela por seus ideais de então, mas sou solidário a ela como ser humano, em razão dos MEUS ideais de sempre.
À princípio, pensei em fazer um longo texto para destacar o que penso a respeito, mas refletindo, achei melhor colocar o próprio texto sobre a jornalista com UMA, APENAS UMA das MILHARES de imagens que se veem DIARIAMENTE EM TODO O BRASIL.
E não é das piores torturas praticadas contra... "civís".
Ressaltando, é claro, que os brasileiros que aparecem nessa imagem (representando todos os que sofrem) NUNCA LUTARAM contra governo nenhum ou contra ideologia nenhuma, sendo submetidos a essa TORTURA e a essa BARBÁRIE, que podem não ter sido criadas, concordo, pelo “tal” progressismo, defendido na luta dessa moça quando jovem, mas foram muito potencializada pela brutal INCOMPETÊNCIA e MALDADE dos que chegaram ao poder com essa ideologia.
NEM ESSES TORTURADOS E NEM OS MILHÕES DE BRASILEIROS QUE SOFREM TORTURA SEMELHANTE... DIARIAMENTE.
Além, é claro, da certeza da inconsistência de tal ideologia, que NÃO SERVIU A ABSOLUTAMENTE NINGUÉM, EM MOMENTO NENHUM EM TODO O PLANETA, exceto a seus líderes que massacraram populações em todos os lugares.
Minha sugestão é:
Que os portais da internet e a tal comissão da verdade, DE UM LADO SÓ, que destacam a LUTA e o sofrimento dos idealistas, que GUERREAVAM contra os Governos Militares Brasileiros, DEEM O MESMO DESTAQUE, À ABSURDA TORTURA que sofrem os brasileiros no dia a dia, brasileiros que lutam APENAS E SOMENTE, por um amanhã... nem melhor que o ontem... ao menos, IGUAL, sem tanto sofrimento.
Segue a imagem da TORTURA DOS BRASILEIROS que lutam somente por suas vidas (desconsiderada por muitos “libertários de porra nenhuma”) e o texto da TORTURA sofrida pela jornalista que lutava por ideais de esquerda...
Quero ressaltar, enfaticamente, que sou FRONTALMENTE E ABSOLUTAMENTE CONTRA QUALQUER ATO VIOLENTO contra o ser humano, de quem quer que seja com quem quer que seja.
Em QUALQUER ideologia!
Ontem, em um portal da internet, apareceu um texto sobre a jornalista Miriam Leitão e a absurda tortura psicológica que sofreu na época dos Governos Militares Brasileiros (Excelentes, a meu ver, APESAR DE ALGUNS DOENTES IMBECIS QUE PRATICAVAM esse tipo de violência - mesmo estando em uma "guerra").
Li o texto e procurei me colocar na posição da jovem batalhadora pelos ideais da esquerda de então... da batalhadora pelo progressismo.
Não é fácil!
É trágico!
Se muitas pessoas levam traumas por toda a vida, às vezes por um simples momento de constrangimento, imagino a força dessa moça para seguir a vida e a carreira (bem sucedida, parece), tendo passado por essa situação emocional absurda, acrescida de tapas e ameaças.
Lamento pelo que sofreu a jornalista, destacando que, obviamente, não sou solidário a ela por seus ideais de então, mas sou solidário a ela como ser humano, em razão dos MEUS ideais de sempre.
À princípio, pensei em fazer um longo texto para destacar o que penso a respeito, mas refletindo, achei melhor colocar o próprio texto sobre a jornalista com UMA, APENAS UMA das MILHARES de imagens que se veem DIARIAMENTE EM TODO O BRASIL.
E não é das piores torturas praticadas contra... "civís".
Ressaltando, é claro, que os brasileiros que aparecem nessa imagem (representando todos os que sofrem) NUNCA LUTARAM contra governo nenhum ou contra ideologia nenhuma, sendo submetidos a essa TORTURA e a essa BARBÁRIE, que podem não ter sido criadas, concordo, pelo “tal” progressismo, defendido na luta dessa moça quando jovem, mas foram muito potencializada pela brutal INCOMPETÊNCIA e MALDADE dos que chegaram ao poder com essa ideologia.
NEM ESSES TORTURADOS E NEM OS MILHÕES DE BRASILEIROS QUE SOFREM TORTURA SEMELHANTE... DIARIAMENTE.
Além, é claro, da certeza da inconsistência de tal ideologia, que NÃO SERVIU A ABSOLUTAMENTE NINGUÉM, EM MOMENTO NENHUM EM TODO O PLANETA, exceto a seus líderes que massacraram populações em todos os lugares.
Minha sugestão é:
Que os portais da internet e a tal comissão da verdade, DE UM LADO SÓ, que destacam a LUTA e o sofrimento dos idealistas, que GUERREAVAM contra os Governos Militares Brasileiros, DEEM O MESMO DESTAQUE, À ABSURDA TORTURA que sofrem os brasileiros no dia a dia, brasileiros que lutam APENAS E SOMENTE, por um amanhã... nem melhor que o ontem... ao menos, IGUAL, sem tanto sofrimento.
Segue a imagem da TORTURA DOS BRASILEIROS que lutam somente por suas vidas (desconsiderada por muitos “libertários de porra nenhuma”) e o texto da TORTURA sofrida pela jornalista que lutava por ideais de esquerda...
O texto sobre a jornalista:
Por muito tempo, a jornalista Míriam Leitão não quis contar como foi sua prisão na época da ditadura. “Para não parecer que me vitimizo'', Míriam me disse há pouco.
Com altivez, ela denunciou os torturadores quando foi
interrogada na Justiça Militar, nos anos 1970. Como tantas militantes que
combateram a covardia, Míriam é mulher de verdade.
Uma das virtudes dos grandes repórteres é a persistência. E Luiz
Cláudio Cunha é um grande repórter. O gaúcho persistiu e convenceu a mineira a
falar sobre a quadra sombria em que penou nas mãos da barbárie.
Grávida, Míriam foi torturada nua. Trancaram-na com uma cobra.
É muito provável que um dos seus algozes tenha sido Paulo Malhães,
o coronel do Exército morto meses atrás, depois de revelar atrocidades
perpetradas contra seres humanos indefesos que ele e seus comparsas torturaram
e mataram.
O depoimento histórico de Míriam Leitão a
Luiz Cláudio Cunha e a reportagem que acompanha as memórias da ex-presa
política estão no site do “Observatório da Imprensa'' (aqui).
Abaixo, o blog publica o que Míriam narrou a Luiz Cláudio:
'Eu
sozinha e nua. Eu e a cobra. Eu e o medo'
Eu morava numa favela de Vitória, o Morro da Fonte Grande. Num
domingo, 3 de dezembro de 1972, eu e meu companheiro na época, Marcelo Netto,
estudante de Medicina, acordamos cedo para ir à praia do Canto, próxima ao
centro da capital. Acordei para ir à praia e acabei presa na Prainha. É o
bairro que abriga o Forte de Piratininga, essa construção bonita do século 17.
Ali está instalado o quartel do 38º Batalhão de Infantaria do Exército, do
outro lado da baía.
Eu tinha dado quatro plantões seguidos na redação da rádio
Espírito Santo e já tinha quase um ano de profissão. Eu vestia uma camisa
branca larga, de homem, sobre o biquini vermelho. Caminhando pela Rua Sete em
direção à praia, alguém gritou de repente:
– Ei, Marcelo?
Nos viramos e vimos dois homens correndo em nossa direção com
armas. Eu reconheci um rosto que vira em frente à Polícia Federal. Meu ônibus
sempre passava em frente à sede da PF e eu tentava guardar os rostos.
– É a Polícia Federal – avisei ao Marcelo
Em instantes estávamos cercados. Apareceram mais homens, mais um
carro. Voltei a perguntar:
– O que está acontecendo?
Eles nos algemaram e empurraram o Marcelo para o camburão. Era
uma camionete Veraneio, sem identificação. Eu tive uma reação curiosa: antes
que me empurrassem sentei no chão da calçada e comecei a gritar, a berrar como
louca, queria chamar a atenção das pessoas na rua. Mas ainda era cedo, manhã de
domingo, havia pouca gente circulando. Achava que quanto mais gente visse
aquela cena, mais chances eu teria de sair viva. Como eu berrava, me puxaram
pelos cabelos, me agarraram para me colocar no carro. Eu, ainda com aquela
coisa de Justiça na cabeça, reclamei:
– Moço, cadê a ordem de prisão?
O homem botou a metralhadora no meu peito e respondeu com outra
pergunta:
– Esta serve?
As algemas eram diferentes, eram de plástico, e estavam muito
apertadas, doíam no pulso. Viajamos sem capuz, eu e Marcelo, em direção a Vila
Velha, onde fica o quartel do Exército. Eu ainda achava que não era nada
comigo, que o alvo era o Marcelo. Ele estava no quarto ano de Medicina e tinha
acabado de liderar a única greve de estudantes do país daquele ano, que trancou
por dois dias as aulas na universidade de Vitória e paralisou os trabalhos no
Hospital de Clínicas. Achei que estava presa só porque estava indo à praia com
o Marcelo.
A Veraneio entrou no pátio do quartel, o batalhão de infantaria.
Nos levaram por um corredor e nos separaram. Marcelo foi viver seu inferno, que
durou 13 meses, e eu o meu. Sobre mim jogaram cães pastores babando de raiva.
Eles ficavam ainda mais enfurecidos quando os soldados gritavam: “Terrorista,
terrorista!”. Pareciam treinados para ficar mais bravos quando eram incitados
pela palavra maldita. De repente, os soldados que me cercavam começaram a
cantar aquela música do Ataulfo Alves: “Amélia não tinha a menor vaidade/
Amélia é que era mulher de verdade”. Só então percebi que minha prisão não era
um engano. “Amélia” era o codinome que o meu chefe de ala no PCdoB tinha
escolhido pra mim: “Você, a partir de agora, vai se chamar Amélia”. Quis reagir
na hora, afinal não tenho nada de Amélia, mas não quis discordar logo na
primeira reunião com o dirigente.
O comandante do batalhão era o coronel
Sequeira [tenente-coronel Geraldo Cândido
Sequeira, que exerceu o comando do 38º BI entre 10 de março de 1971 a 13 de
março de 1973], que fingia que
mandava, mas não via nada do que acontecia por lá. O homem que de fato mandava
naquele lugar, naquele tempo, era o capitão Guilherme, o único nome que se
conhecia dele. Ele era o chefe do S-2, o setor de inteligência do batalhão.
Todos os interrogatórios e torturas estavam sob a coordenação dele. Ele
pessoalmente nada fazia, mas a ele tudo era comunicado. Nesse primeiro dia me
deu um bofetão só porque eu o encarei.
– Nunca mais me olhe assim! – avisou.
Fui levada para uma grande sala vazia, sem móveis, com as
janelas cobertas por um plástico preto. Com a luz acesa na sala, vi um pequeno
palco elevado, onde me colocaram de pé e me mandaram não recostar na parede.
Chegaram três homens à paisana, um com muito cabelo, preto e liso, um outro
ruivo e um descendente de japonês. Mandaram eu tirar a roupa. Uma peça a cada
cinco minutos. Tirei o chinelo. O de cabelo preto me bateu:
– A roupa! Tire toda a roupa.
Fui tirando, constrangida, cada peça. Quando estava nua, eles
mandaram entrar uns 10 soldados na sala. Eu tentava esconder minha nudez com as
mãos. O homem de cabelo preto falou:
– Posso dizer a todos eles para irem pra cima de você, menina. E
aqui não tem volta. Quando começamos, vamos até o fim.
Os soldados ficaram me olhando e os três homens à paisana
gritavam, ameaçando me atacar, um clima de estupro iminente. O tempo nessas
horas é relativo, não sei quanto tempo durou essa primeira ameaça. Viriam
outras.
Eles saíram e o homem de cabelo preto, que alguém chamou de Dr.
Pablo, voltou trazendo uma cobra grande, assustadora, que ele botou no chão da
sala, e antes que eu a visse direito apagaram a luz, saíram e me deixaram ali,
sozinha com a cobra. Eu não conseguia ver nada, estava tudo escuro, mas sabia
que a cobra estava lá. A única coisa que lembrei naquele momento de pavor é que
cobra é atraída pelo movimento. Então, fiquei estática, silenciosa, mal
respirando, tremendo. Era dezembro, um verão quente em Vitória, mas eu tremia
toda. Não era de frio. Era um tremor que vem de dentro. Ainda agora, quando
falo nisso, o tremor volta. Tinha medo da cobra que não via, mas que era minha
única companhia naquela sala sinistra. A escuridão, o longo tempo de espera,
ficar de pé sem recostar em nada, tudo aumentava o sofrimento. Meu corpo doía.
Não sei quanto tempo durou esta agonia.
Foram horas. Eu não tinha noção de dia ou noite na sala escurecida pelo
plástico preto. E eu ali, sozinha, nua. Só eu e a cobra. Eu e o medo. O medo
era ainda maior porque não via nada, mas sabia que a cobra estava ali, por
perto. Não sabia se estava se movendo, se estava parada. Eu não ouvia nada, não
via nada. Não era possível nem chorar, poderia atrair a cobra. Passei o resto
da vida lembrando dessa sala de um quartel do Exército brasileiro. Lembro que
quando aqueles três homens voltaram, davam gargalhadas, riam da situação. Eu
pensava que era só sadismo. Não sabia que na tortura brasileira havia uma
cobra, uma jiboia usada para aterrorizar e que além de tudo tinha o apelido de Míriam. Nem sei se era a
mesma. Se era, talvez fosse esse o motivo de tanto riso. Míriam e Míriam, juntas
na mesma sala. Essa era a graça, imagino.
Dr. Pablo voltou, depois, com os outros dois, e me encheu de
perguntas. As de sempre: o que eu fazia, quem conhecia. Me davam tapas, chutes,
puxavam pelo cabelo, bateram com minha cabeça na parede. Eu sangrava na nuca, o
sangue molhou meu cabelo. Ninguém tratou de minha ferida , não me deram nenhum
alimento naquele dia, exceto um copo de suco de laranja que, com a forte
bofetada do capitão Guilherme, eu deixei cair no chão. Não recebi um único
telefonema, não vi nenhum advogado, ninguém sabia o que tinha acontecido
comigo, eu não sabia se as pessoas tinham ideia do meu desaparecimento. Só três
dias após minha prisão é que meu pai recebeu, em Caratinga, um telefonema
anônimo de uma mulher dizendo que eu tinha sido presa. Ele procurou muito e só
conseguiu me localizar no fim daquele dezembro. Havia outros presos no quartel,
mas só ao final de três semanas fui colocada na cela com a outras presas:
Angela, Badora, Beth, Magdalena, estudantes, como eu.
Fiquei 48 horas sem comer. Eu entrei no quartel com 50 kg de
peso, saí três meses depois pesando 39 kg. Eu cheguei lá com um mês de
gravidez, e tinha enormes chances de perder meu bebê. Foi o que médico me
disse, quando saí de lá, com quatro meses de gestação. Eu estava deprimida, mal
alimentada, tensa, assustada, anêmica, com carência aguda de vitamina D por
falta de sol. Nada que uma mulher deve ser para proteger seu bebê na barriga.
Se meu filho sobrevivesse, teria sequelas, me disse o médico.
– A má notícia eu já sei, doutor, vou procurar logo um médico
que me diga o que fazer para aumentar as chances do meu filho.
Mas isso foi ao sair. Lá dentro achei que não havia chance alguma
para nós. Eu era levada de uma sala para outra, numa área administrativa do
quartel, onde passava por outras sessões de perguntas, sempre as mesmas, tudo
aos gritos, para manter o clima de terror, de intimidação. Na noite seguinte,
atravessei a madrugada com uma sessão de interrogatório pesado, o Dr. Pablo e
os outros dois berrando, me ameaçando de estupro, dizendo que iam me matar. Um
dia achei que iria morrer. Entraram no meio da noite na cela do forte para onde
eu fui levada após esses dois dias. Falaram que seria o último passeio e me
levaram para um lugar escuro, no pátio do quartel, para simular um fuzilamento.
Vi minha sombra refletida na parede branca do forte, a sombra de um corpo
mirrado, uma menina de apenas 19 anos. Vi minha sombra projetada cercada de
cães e fuzis, e pensei: “Eu sou muito nova para morrer. Quero viver”.
Um dia, um outro militar, que não era nenhum daqueles três,
botou um revólver na minha cabeça e falou: “Eu posso te matar”. E forçou aquele
cano frio na minha testa. Me deu um sentimento enorme de solidão, de abandono.
Eu me senti absolutamente só no mundo. Pela falta de notícias, imaginava que o
Marcelo estava morto. Entendi que iria morrer também e que ninguém saberia da
minha morte, pensei. Mas não quis demonstrar medo. Lembro que o homem do
revólver tinha olhos azuis. Olhei nos seus olhos e respondi: “Sim, você pode
pode me matar”. E repeti, falando ainda mais alto, com ar de desafio: “Sim,
você pode!”
Um dos interrogatórios foi feito na sala do capitão Guilherme, o
S-2 que mandava em todos ali. Era noite, ele não estava, e me interrogaram na
sala dele. Lembro dela porque havia na parede um quadro com a imagem do Duque
de Caxias. Estava ainda com o biquíni e a camisa, era a única roupa que eu
tinha, que me protegia. Nessa noite, na sala, de novo fui desnudada e os homens
passaram o tempo todo me alisando, me apalpando, me bolinando, brincando
comigo. Um deles me obrigou a deitar com ele no sofá. Não chegaram a consumar
nada, mas estavam no limite do estupro, divertindo-se com tudo aquilo.
Eu estava com um mês de gravidez, e disse isso a eles. Não
adiantou. Ignoraram a revelação e minha condição de grávida não aliviou minha
condição lá dentro. Minha cabeça doía, com a pancada na parede, e o sangue
coagulado na nuca incomodava. Eu não podia me lavar, não tinha nem roupa para
trocar. Quando pensava em descansar e dormir um pouco, à noite, o lugar onde
estava de repente era invadido, aos gritos, com um bando de pastores alemães
latindo na minha cara. Não mordiam, mas pareciam que iam me estraçalhar, se
escapassem da coleira. E, para enfurecer ainda mais os cães, os soldados
gritavam a palavra que enlouquecia a cachorrada: “Terrorista, terrorista!…”
As primeiras três semanas que passei lá foram terríveis. Só
melhorou quando o Dr. Pablo e seus dois companheiros foram embora. Entendi
então que eles não pertenciam ao quartel de Vila Velha. Tinham vindo do Rio, é
o que chegaram a conversar entre eles, em papos casuais: “E aí, quando
voltarmos ao Rio, o que a gente vai fazer lá…” Isso fazia sentido, porque o
quartel de Vila Velha integra o Comando do I Exército, hoje Comando do Leste,
que tem o QG no Rio de Janeiro.
Quando o trio voltou para o Rio, a situação ficou menos ruim.
Eles já não tinham mais nada para perguntar. Me tiraram da cela da fortaleza e
me levaram para a cela coletiva. Foi melhor. Na cela do forte não havia
janelas, a porta era inteiriça e minhas companhias eram apenas as baratas. Fiz
uma foto minha, agora em 2011, ao lado da porta.
Até que chegou o dia de assinar a confissão, para dar início ao
IPM, o inquérito policial-militar que acontecia lá mesmo, dentro do quartel. Me
levaram para a sala do capitão Guilherme, o S-2, e levei um susto. Lá estava o
Marcelo, que eu pensava estar morto. Os militares saíram da sala e nos deixaram
sozinhos. Quando eu fui falar alguma coisa, o Marcelo me fez um sinal para
ficar calada. Ele levantou, foi até a parede e levantou o quadro do Duque de
Caxias. Estava cheio de fios e microfones lá atrás. Era tudo grampo.
Depois disso, o Marcelo foi levado para o Regimento Sampaio, na
Vila Militar, no Rio de Janeiro, e lá ficou nove meses numa solitária. Sem
banho de sol, sem nada para ler, sem ninguém para conversar. Foi colocado lá
para enlouquecer. Nove longos e solitários meses… Nós, todos os presos, e os
que já estavam soltos nos encontramos mais ou menos em junho na 2ª Auditoria da
Aeronáutica, para o que eles chamam de sumário de culpa, o único momento em que
o réu fala. Eu com uma barriga de sete meses de gravidez. O processo, que
envolvia 28 pessoas, a maioria garotos da nossa idade, nos acusava de tentativa
de organizar o PCdoB no estado, de aliciamento de estudantes, de panfletagem e
pichações. Ao fim, eu e a maioria fomos absolvidos. O Marcelo foi condenado a
um ano de cadeia. Nunca pedi indenização, nem Marcelo. Gostaria de ouvir um
pedido de desculpas, porque isso me daria confiança de que meus netos não
viverão o que eu vivi. É preciso reconhecer o erro para não repeti-lo. As
Forças Armadas nunca reconheceram o que fizeram.
Nunca mais vi o capitão Guilherme, o S-2 que comandou tudo
aquilo. Uma vez ele apareceu no Superior Tribunal Militar como assessor de um
ministro. Marcelo foi expulso do curso de Medicina, após a prisão, e virou
jornalista. Fomos para Brasília em 1977. Por ironia do destino, Marcelo só
conseguiu vaga de repórter para cobrir os tribunais. E lá no STM, um dia, ele
reviu o capitão Guilherme. Depois disso, não soubemos mais dele. Nem sei se o
S-2 ainda está vivo.
O que eu sei é que mantive a promessa que me fiz, naquela noite em
que vi minha sombra projetada na parede, antes do fuzilamento simulado. Eu
sabia que era muito nova para morrer. Sei que outros presos viveram coisas
piores e nem acho minha história importante. Mas foi o meu inferno. Tive sorte
comparado a tantos outros.
Sobrevivi e meu filho Vladimir nasceu em agosto forte e
saudável, sem qualquer sequela. Ele me deu duas netas, Manuela (3 anos) e
Isabel (1). Do meu filho caçula, Matheus, ganhei outros dois netos, Mariana (8)
e Daniel (4). Eles são o meu maior patrimônio.
Minha vingança foi sobreviver e vencer. Por
meus filhos e netos, ainda aguardo um pedido de desculpas das Forças Armadas.
Não cultivo nenhum ódio. Não sinto nada disso. Mas, esse gesto me daria
segurança no futuro democrático do país. [Depoimento
a Luiz Cláudio Cunha]
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